terça-feira, 15 de junho de 2021

O BURRO E AS DUAS MARGENS


É costume contar-se às crianças, quando começam a estar em idade de começar a ser estúpidas, uma história a propósito de um burro que chega à margem de um rio e não consegue passar para a outra margem.


O rio não tem ponte, o burro não sabe nadar, não há barca que o transporte. O que faz o burro? Depois de algum tempo de pensar, a criança diz que desiste. E então a pessoa adulta, que lhe pôs a adivinha, diz: O mesmo fez o burro. O que devia dizer era: És como o burro, porque assim é que a graça tem graça, se é que a tem.


Mas a história não se passou assim, e foi o burro mesmo que m'a contou.


O burro chegou à margem do rio, e queria passar para a outra margem. Verificou, efectivamente, e nesse particular a história é verídica como se narra, que (a) não havia ponte, (b) não havia barco, (c) ele, burro, não sabia nadar.


Então o burro pensou: O que faria um homem no meu caso? E, depois de pensar, pensou: Desistia. Pois bem, decidiu: Sou como o homem.


Porque, nesta adivinha, ninguém pensou numa coisa: é que o homem desistia também.


Moralidade: A política partidária é a arte de dizer a mesma coisa de duas maneiras diferentes. O melhor é dizer em segundo lugar, porque como é o homem que faz a adivinha, adiante vai o burro.


Moralidade:

Cuidado com o avesso.

Cuidado com os tecidos políticos que se podem virar do avesso.

Fernando Pessoa

 

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